Outro dia, num livro divertido sobre transtornos mentais, li sobre a teoria das colheres. É como se ao acordar recebêssemos uma quantidade x de colheres para gastar ao longo do dia, no quesito energia. Quando se é jovem e saudável, se tem bastante colheres para fazer tudo: trabalhar, lidar com problemas, relacionamentos, cuidar da casa e etc. Se você, por outro lado, já não é jovem, ou está doente, tem menos colheres para gastar. Uma doença crônica tira várias colheres de você, depressão e ansiedade tiram mais ainda, deixando você com um estoque limitado e ineficiente de colheres para as atividades do dia a dia. Você pode até se forçar a usar mais colheres (energia) do que tem, mas isso no fim vai te fazer mal.
Esse texto caiu como uma luva na minha vida. Porque muitas vezes me sinto sem energia para realizar todas as tarefas que preciso.
Sou uma pessoa ansiosa por natureza, independentemente de estar com um quadro de ansiedade clínica ou não. Isso quer dizer que eu já me canso mentalmente mais fácil que alguém "normal". Esse cansaço vem principalmente de pensar demais sobre tudo, especialmente as coisas que me causam estresse, e isso afeta meu corpo diretamente no estômago, atacando minha gastrite, e também aquela área que comanda a energia, sugando boa parte e me deixando com poucas colheres. Junte isso ao fato de eu ter 3 empregos: o que paga o meu salário e é de meio-período, o de escritora, no qual eu sou a minha chefe e tenho que cuidar de tudo e tomar todas as decisões sozinha, e o de dona de casa e mãe de família. Minha terapeuta briga comigo quando reclamo de não estar dando conta e me lembra de que em 7 anos eu escrevi e publiquei vários livros (6, para ser mais exata), e isso enquanto cuidava da casa e trabalhava fora. Para ela, é muita coisa. E eu acredito que seja mesmo, quando a ouço falar. Se ouvisse que outra pessoa faz todas as coisas que eu faço, ficaria admirada e achando muito. Mas do lado de cá grande parte das vezes eu me sinto um fracasso, menos produtiva que os outros.
Fui abençoada com a vontade de ter muitas colheres, de abraçar o mundo com as mãos, mas isso veio acompanhado de um corpo imperfeito que se cansa fácil e não atende todas as demandas do meu cérebro agitado. Foram anos de terapia para eu conseguir reconhecer isso, e que talvez a solução para mim seja eu parar de tentar aumentar minhas colheres e me adequar ao meu ritmo, um processo no qual já venho trabalhando, mesmo que a demanda da vida continue insistindo que eu produza mais e mais.
Três fatos contribuíram nos últimos dias para que essa teoria fizesse ainda mais sentido. O primeiro: uma pessoa do meio literário com quem eu me compararia para me sentir improdutiva e que tinha um feed maravilhoso e uma biblioteca de dar inveja, faleceu devido ao COVID, deixando seus mais de 100 mil seguidores órfãos do seu bom conteúdo. O segundo fato é que ao assistir o documentário Um dia na Terra, de 2020, me deparei com uma cena onde uma mãe mostrava na TV o vídeo do mesmo documentário gravado 10 anos antes, em que ela acordava o filho adolescente em seu quarto bagunçado, e ele saia resmungando, meio zumbi (como o meu aqui de casa sempre acorda), e em seguida ela parava o vídeo e dizia que iria mostrar o filho dela “hoje”, na data de 25 de julho de 2020, quando foi gravado o segundo vídeo. E o que ela mostrou foi uma urna contendo as cinzas do filho que havia falecido meses antes de complicações da COVID. Isso mexeu comigo e me doeu tanto quanto a morte da blogueira com o Instagram perfeito, e mais ainda no sentido de empatia, pois também sou mãe, e imaginar meu filho partindo antes de mim é algo impensável, que me dói o coração.
Por fim e o pior de todos, há poucos dias um priminho meu faleceu. Eu soube ontem, na terça, e hoje, ao falar com minha tia, avó dele, soube que ele tirou a própria vida. Ele tinha apenas 21 anos, uma vida pela frente. Mas o vício em drogas do qual ele vinha tentando se libertar e a depressão se tornaram um fardo pesado demais para carregar, e ele achou que somente assim estaria se livrando da dor. Ainda estou digerindo isso, e pensando em como eu gostaria de tê-lo ajudado de alguma forma, por mais que eu não convivesse de perto com ele; também estou pensando na minha tia, minha prima (mãe dele) e familiares que conviviam de perto com ele e que tentaram ajudá-lo de várias formas.
Essas três pessoas que não se conheciam, tiveram suas colheres extinguidas cedo demais. E agora, não importa o potencial ou a saúde que tinham antes, não importa quantas colheres diárias lhes eram fornecidas, hoje elas já não podem ter.
A autora do livro de onde tirei a reflexão (Jenny Lawson – Alucinadamente Feliz), comparou-se a Galileu, dizendo que mesmo que ela só consiga acordar e tomar um banho, gastando uma única colher em um dia em que a depressão e outros problemas a paralizarem, já está no lucro em comparação a ele, pois por mais fantástico que tenha sido, ele está morto e não pode controlar sua quantidade de colheres assim como ela não pode controlar as suas.
O ponto aqui é que precisamos ser mais gentis conosco quando compararmos nossas colheres às dos outros. Devemos parar de tentar nos encaixar no que os outros esperam de nós, nos malditos algoritmos das redes sociais, nas ideias fabricadas (pela mídia em geral e pela cultura do consumismo) de corpo perfeito, vida perfeita, do dinheiro e da fama que podem “funcionar” para o outro, mas custar caro demais para nossa saúde mental caso não nos encaixemos.
Cada pessoa é única e especial, e deve se questionar o tempo todo sobre o que a faz realmente feliz e viver de acordo.
O importante é fazermos o melhor com as colheres que temos hoje, pois não sabemos quantas teremos ou mesmo se ainda as teremos amanhã.
A vida é muito curta para desperdiçar colheres se recriminando por não atingir algum padrão ou sacrificar a saúde por coisas que não nos fazem mais completos e não nos aproximam nem de Deus, nem da pessoa que queremos e podemos ser.
Para terminar, gostaria de deixar aqui uma frase de reflexão:
“Não compare os seus bastidores com o show de alguém”.
Tudo o que vemos é a superfície, pois somos todos imperfeitos, cheios de defeitos que tentamos esconder, de inseguranças que procuramos disfarçar, traumas e medos secretos que muitas vezes nem sabemos de onde vem. Ou seja, cada um tem suas próprias questões, seja uma escritora de 36 anos, ansiosa, com gastrite e acima do peso (eu) ou uma top model que ganha milhões ao ano (tipo a Gisele Bundchën, que pasmem, já sofreu com transtornos mentais relacionados à ansiedade, mesmo ganhando milhões, viajando e sendo considerada a mulher mais linda do mundo). Não existe vida perfeita. Existe a sua, e ela é linda.
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